terça-feira, 31 de março de 2009

RELATO DE PARTO


Um dia antes


Quarta-feira 12 de novembro, eu estava tão feliz com a chegada da bebéia da Carol, minha querida amiga que foi guerreira, lutou por um parto digno, agüentou firme (em casa) os pródomos e trabalho de parto irregular desde a madrugada de segunda e chegou ao hospital em fase ativa, com seis dedos de dilatação, teve sua pequena de parto normal, sem anestesia, com os plantonistas, provando que era possível assumir seu parto e receber sua neném de forma digna mesmo sem estar acompanhada de um médico disposto a ajudá-la. Eu e a Carol fizemos tudo juntas durante a gestação inteira, enjoamos, treinamos, dividimos dúvidas, expectativas, conhecemos o Gama, trocamos milhares de informações... era tanto que eu brincava que elas iriam combinar de nascerem juntas. Enfim, voltando à quarta-feira, tive que fazer um esforço enorme pra não sair correndo pro hospital para visitá-las, mas me segurei, pois sabia que ela estava cansada e ia receber um monte de visitas. Fui dar aula a noite e na volta resolvi parar no mercado pra comprar os últimos itens pro PD, no caminho, em plena marginal, tive uma contração. Uma sensação estranha que começou na parte baixa do abdômen e foi percorrendo até a lombar deixando as pernas ligeiramente adormecidas, durou alguns segundos e passou. Comprei o que tinha pra comprar no mercado, fui jantar na casa da minha mãe e estava tão certa que ainda faltava umas duas semanas pra acontecer que até esqueci de comentar com ela sobre a contração. Fui pra casa, arrumei minhas coisas pois tinha consulta com a Dra. CC e queria visitar a Carol logo pela manhã, estava ansiosa pra conhecer o rostinho da neném e saber, com detalhes, como tinha sido.

O começo

As 3:15 da manhã acordei com dor, fui ao banheiro, voltei pra cama, não consegui dormir. Fiquei tentando achar uma posição, mas não achei nenhuma que fosse confortável, fui de novo ao banheiro, voltei pra cama, continuava desconfortável, levantei. Talvez por causa do sono eu não conseguia entender muito bem o desconforto, sabia que o que senti no carro tinha sida uma contração mas, de verdade, achava que estava longe de entrar em trabalho de parto. Sentei no sofá, me senti melhor, liguei a TV mas não assisti nada, comecei a pensar na Carol e na sua bebê, adormeci sentada. As 4:20 a bolsa estourou, mas só percebi quando já tinha molhado todo o sofá, fui pro banheiro, fiquei olhando a água escorrer pelas pernas e pensei: “Mas já? Hoje ainda é dia 13.” Desde o início eu preparei meu psicológico para o final do mês e mesmo com a DPP para 09 de novembro eu falava pra todo mundo que ainda estava de 39 semanas. Voltei pro sofá e dessa vez deitei e tentei dormir um pouco e descansar pois sabia que podia ser só o começo de uma longa jornada. Não consegui dormir e não consegui ficar deitada, era extremamente desconfortável. Sentei na bola (daquelas de fisioterapia) fiz uns exercícios pra relaxar...

Será que tinha mesmo chegado à hora? Será que eu estava preparada? Será que eu ia dar conta do recado? Por um momento bateu um medo e uma insegurança que até então eu não tinha sentido. Eu li, pesquisei, ouvi e assisti tudo que eu pude sobre parto, me preparei durante nove meses, comecei a lembrar das reuniões do Gama, das conversas da lista, dos relatos de parto, das conversas como a minha obstetra querida e do sorriso contagiante dela. Me lembrei também da voz calma da doula e acalmei, sabia que tinha do meu lado pessoas que me ajudariam e me apoiariam. Acho que sim, estava preparada, se é que se pode dizer isso. Me sentia preparada pra aceitar o processo, pra me deixar levar e pra viver a experiência mais intensa de toda a minha vida.

TP engrenando

As dores começaram aumentar e as 7:00 acordei o Dé porque estava com fome e sabia que precisaria de energia pra agüentar as próximas horas. Lembro dele com uma carinha de sono sorrindo e dizendo “chegou a hora baixinha?” Me deu uma vontade chorar de felicidade. Ele levantou preparou um café e a partir daí as dores já estavam bem mais fortes. Comi mamão e torradas com manteiga. Opa! O negócio ta aumentando. Fui pro chuveiro, que delícia a água quente caindo na lombar. O Dé ligou pra médica que deu algumas instruções e pediu pra ele ligar pra doula quando as contrações estivessem mais regulares. Sai do chuveiro, voltei pro sofá. A contração vinha e ele fazia massagem na lombar, fui mostrando pra ele onde e como ficava mais confortável. Nossa que alivio! Mais ou menos dessa hora em diante perdi a noção do tempo, não olhei mais no relógio e entrei na partolândia. Lembro dele ligando pra doula que me contou depois que soube que era hora por que me ouviu gritando no fundo..rs. As contrações aumentando, me dava vontade de fazer xixi, acabei vomitando tudo que tinha comido. De olhos fechados, lembro dele explicando pra doula o caminho de casa e dela sentando ao meu lado, calma, me pedindo pra relaxar, “deixa a contração vir, relaxa”. Eu estava me sentindo totalmente apoiada com o Dé ao meu lado, mas ouvir a voz tranqüila dela me deixou ainda mais segura. O medo e a insegurança haviam desaparecido. No quarto da neném eles montaram e começaram a encher a banheira, eu de olhos fechados. Cada vez que começava uma contração ele vinha correndo na minha direção, fazia massagem, me dava a mão. A médica chegou e pediu pra fazer um exame de toque, 4 centímetros, “ta ótimo” ela disse. Eu tava loca pra cair na água. Banheira cheia, outra sensação maravilhosa. O Dé continuou de lá pra cá e sempre que vinha a contração vinha correndo me abraçar. A doula teve que sair, lembro dela explicando pra ele que voltaria mais tarde e que viria alguém pra ficar no lugar dela, não achei ruim nem fiquei apreensiva, eu estava totalmente tranqüila com ele ao meu lado. A doula substituta chegou não sei que horas, em uma das vezes que abri o olho, ainda dentro da banheira, ela estava ali ao meu lado, serena, tranqüila, e depois que o Dé falou “pode tirar foto a vontade, ela vai brigar comigo se eu não tirar nenhuma foto”..rsrs ela começou sutilmente bater fotos.

Na banheira passei calor, passei frio, mudei de posição várias vezes, ela era enorme dava pra entrar todo mundo que tava ali de uma vez só. “Caramba, faz muito tempo que estou aqui, será que já estou com 10 centimetros? Devo estar, tomara, to cansada” a médica apareceu e fez mais um toque, 7 pra 8 dedos “muito bom, você ta indo super bem” e eu “Ainda?!?” Resolvi sair da piscina, pendurada no pescoço do Dé fui até o banheiro, achei que queria usar, não fiz nada e não tinha vontade de fazer força. Voltei pro quarto, deitei de lado, de barriga pra cima era impossível, de lado era menos pior. Queria dormir um pouco, descansar, mas quando pensava nisso vinha outra contração. O Dé deitado comigo, me dava uma mão e com a outra fazia massagem. Deitada não consigo, preciso sentar, outra contração, banheiro... e lá ia eu pendurada no pescoço dele até sentar no vaso. O cansaço era imenso, me sentia sem forças, olhei pra ele e disse quase chorando “gatinho, não estou mais agüentando, to muito cansada”. Era a hora P, aquele momento que você pensa “não quero mais”, a hora da transição. Como num passe de mágica a médica apareceu ao meu lado, pois a mão na minha perna e disse “Querida você ta indo super bem, é assim mesmo. Se você tiver vontade de fazer força faz na cama, não tem problema se sujar.” Aquela frase e aquele olhar foi como se ela tivesse me dado uma injeção de ânimo, voltei pra cama e relaxei. Na cama comecei a sentir vontade de fazer força. Fui pra banqueta, pensei na banheira e consegui raciocinar que a água tava fria e que ia dar muito trabalho esquentar. Além do mais, não queria que ninguém saísse de perto de mim, principalmente o Dé. A vontade de fazer força foi aumentando. Espelhinho, lanterna, o quarto estava na penumbra e eu não fazia noção da hora. Equipe toda em volta. A vontade de fazer força cada vez mais intensa e numa dessas eu me senti tonta e quase cai. A doula correu na cozinha, me deu duas colheradas de mel e pronto, melhorei na hora. Mais vontade de fazer força e a médica dizia “quando vier a vontade faça o máximo de força que você conseguir e depois relaxa, canaliza sua energia, é a sua bebê que ta chegando”.

O expulsivo

É a sua bebê que ta chegando. Toda vez que lembro dessa frase tenho vontade de chorar. E na hora eu simplesmente não atinava. Era real e ao mesmo tempo não era real. Quem ta chegando? Aonde? rsrs Eu estava literalmente em outro plano e sentia isso, visualizava isso, mas sinceramente não consigo explicar em palavras. Eu sentia o movimento dela dentro do canal de parto. Sentia cada milímetro de movimento dentro de mim. Sentia que ela estava descendo, chegando. De repente, “olha o cabelinho!” a médica colocou o espelhinho e nós vimos o cabelo. Tenho essa imagem gravada na minha memória como uma foto. Mais força e aí uma sensação de ardência. Mais força e eu vi a cabeça. A doula falava “relaxa, pensa no seu períneo”. Mais força, o círculo de fogo pegando fogo mesmo, olhei pra médica e falei “ta ardendo muito”. Mais força e ela veio. Que alívio. “Uau, como ela é grande!” pensei. Direto pros meus braços, olho arregalado, vivo. As lagrimas rolando pelo meu rosto “Oi minha querida, é a mamãe e o papai” outra imagem que tenho gravada na memória, nítida, viva. A equipe inteira saiu do quarto e ficamos nós três lá, se conhecendo, eu e ele chorando, ela olhando. Só deu um chorinho quando a pediatra pediu licença pra auscultar. Dé cortou o cordão. Foram pro banho, ele e ela e eu fui pra cama. Minha placenta demorou um pouco mas assim que a neném mamou a placenta saiu. Não tive nada de laceração. Não fiz epsiotomia. Ela nasceu às 18:14 pesando 3600Kg. Linda!

A equipe foi embora e ficamos nós três, juntinhos, eu e ele exaustos e ao mesmo tempo eufóricos. A casa envolta por aquela energia maravilhosa. A cama desarrumada, ela dormindo como um anjo, de gorrinho na cabeça, no meio do edredon que parecia um ninho. Dorme minha pequena, descansa porque muita coisa nos espera.

Agradecimentos

A AC, ao GAMA, a lista e todas essas mulheres maravilhosas que me mostraram um mundo novo.

A Carol e sua gorduchinha, vocês foram imprescindíveis no nosso processo de gestação e parto. É maravilhoso fazer parte da vida de vocês e poder dividir tantos momentos, conquistas e felicidades.

Aos meus pais pelo apoio incondicional e mesmo sem saber dos planos de parto em casa por não terem me julgado. Por serem sempre tão sutis e delicados, mesmo quando não concordam plenamente com as minhas decisões.

A equipe pelo carinho e compreensão. Por ter acreditado em mim e nos conduzido de forma tão amorosa e respeitosa.

Ao meu querido companheiro, simplesmente não tenho palavras para expressar tamanha admiração. Você foi sempre a primeira pessoa a me apoiar e acreditar. Pariu junto comigo. Foi fundamental e maravilhoso em todo o processo.

A minha neném por me proporcionar a experiência mais intensa e sublime de toda a minha vida. Por ter me escolhido como mãe. Por ter mudado minha vida e minha alma!